A juventude transviada do Século XXI

Dois casos de violência, tendo adolescentes como protagonistas, tornaram mais dramática a necessidade de mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente, em especial a aplicação do código penal a maiores de 16 anos. No primeiro caso, uma menina, de apenas 12 anos, foi violentada no banheiro de uma escola em S. Paulo, o que levou muita gente a relembrar o “Caso Ainda Cury”, ocorrido em 1958, em que os agressores eram jovens de classe média alta.  A vítima só revelou o que ocorrera ao ser socorrida no Pronto Socorro, para onde foi levada depois o estupro, praticado por três adolescente e colegas de escola. Já a direção da escola se limitou a solicitar aos pais a transferência para outra escola dos três jovens, tentando toscamente evitar o escândalo, que seria normal se o caso chegasse ao conhecimento da Imprensa. Em relação à vítima, a escola não adotou nenhuma providência para ampará-la, inclusive psicologicamente.

O segundo caso, com repercussão internacional, ocorreu na Lagoa Rodrigo de Freitas. Não foi mais uma mortandade de peixes, fato corriqueiro naquela região, mas o assassinato, a golpes de faca, de um cardiologista que gostava de pedalar pela ciclovia nos finais de tarde. A Polícia Civil apreendeu numa comunidade em Maguinhos, nesta quinta-feira (21), um adolescente de 16 anos. Embora negue o assassinato, o menor admitiu que praticava furtos e roubos de bicicletas na Zona Sul do Rio de Janeiro, em especial na Lagoa. Numa área ao lado da casa do adolescente, a Polícia apreendeu 9 bicicletas roubadas, sendo uma no valor de R$ 30 mil reais, além de facas e canivetes.

Nesse caso, não é crível que a família, ao contrário de muitos políticos, não soubesse das “travessuras” do filho, principalmente pela presença de tantas bicicletas. Houve, no caso, o que o Código Penal considera “abandono de incapaz”, isto é, a família se omitiu de uma correta educação do adolescente. No caso da menina estuprada de São Paulo, os pais dos agressores agiram apenas no sentido de protegerem seus pimpolhos da “revolta popular” que esse tipo de agressão – estupro – provoca na população.

O assassinato do cardiologista Jaime Gold, de 57 anos, em plena Lagoa Rodrigo de Freitas, causou uma natural comoção na população carioca e acabou colocando em posições opostas o governador Luiz Fernando Pezão e o seu homônimo e presidente do Tribunal de Justiça, o desembargador Luiz Fernando de Carvalho. Ao comentar o fato de um dos suspeitos do assassinato do médico ser um adolescente de apenas 16 anos, mas com uma longa folha penal, Pezão se valeu de um desgastado bordão: A Polícia prende, mas a Justiça solta!

Já está mais do que na hora de o Ministério Público agir em relação aos pais de adolescentes apreendidos e envolvidos na prática de delitos que o ECA, por covardia, nega serem crimes, mas apenas atos antissociais. Luiz Flávio Gomes, mestre em direito penal pela USP e ex-consultor da ONU, que se diz contrário à redução da maioridade, relembra que o ECA prevê punições e medidas socioeducativas, com ou sem restrição da liberdade, para crianças a partir de 12 anos. Ele admite, no entanto, que a pena máxima de três anos poderia ser revista, e elevada para até oito anos. "Como o ECA coloca três anos para tudo, acaba gerando uma injustiça. Eu não posso equiparar um roubo a um homicídio."

Do outro lado do debate, o desembargador José Muiños Piñeiro Filho, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio, defende a redução da maioridade penal para 16 anos. "É algo que tem que ser discutido, sim. Num momento em que muitos jovens estão cometendo crimes violentos, tráfico, roubos, latrocínios, este debate se faz pertinente. E não se pode esquecer que há muitos detalhes a serem decididos", diz.

Piñeiro Filho sugere, por exemplo, que, no caso da redução da maioridade penal para 16 anos, os condenados menores de 21 anos cumpram pena em presídios separados dos maiores de 21 anos.  (Com BBC/Brasil)